O cinema brasileiro não tem moral. Alguém aí se lembra da histeria coletiva em torno do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1999? Pois é: naquela época, era in falar mal de A Vida é Bela, filme de Roberto Benigni que acabou arrebatando a estatueta dourada, e falar bem de Central do Brasil, de Walter Salles.
Central merecia o Oscar? Merecia. A Vida é Bela não merecia? Talvez sim, talvez não, difícil dizer com isenção. Mas certamente foi uma grande bobagem aquele coro coletivo execrando o filme italiano - coro esse, é bom lembrar, no qual não faltaram as opiniões da intelectualidade e da mídia em geral - a revista Bravo publicou um desagravo naquela época.
Alegou-se de tudo, principalmente que Benigni teria se "vendido" - o que, convenhamos, é outra bobagem: afinal, o Oscar nunca foi um prêmio para os melhores filmes, mas um prêmio de mercado. E era de se esperar que, em se tratando da mão não tão invisível do
mercado, role um tráfico de influência por baixo do pano.
Mas agora o caldo entornou pra cima dos brasileiros também, como mostra a matéria de capa da revista Carta Capital que acaba de chegar às bancas (aviso: a edição online ainda não tinha sido atualizada até a hora deste post). Nela, são expostos os detalhes por trás da escolha do filme que irá concorrer à estatueta este ano nos EUA - o filme Abril Despedaçado, de Walter Salles. Para poder concorrer, tiveram que forçar uma estréia em um cinema de Salvador no dia 19 de outubro, ficando apenas uma semana em cartaz, só para constar (fazia parte do critério para competir)... e o filme, cuja escolha foi anunciada no último dia 29, simplesmente atropelou outros que não só foram assistidos de verdade pelo público como eram de qualidade indiscutível. Dois bons exemplos: Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky e Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho.
Pode-se alegar que o filme mereça porque é belo, porque tem uma grande direção, e por se tratar de uma adaptação de uma grande obra da literatura universal, o romance homônimo de Ismail Kadaré. Pode não servir como elemento de comparação, mas até aí morreu o Neves, como se dizia antigamente: A Vida é Bela é baseada no excelente livro Jakob, o Mentiroso, de Jurek Becker (que no ano seguinte teria uma adaptação muito mais fiel nos EUA, Um Sinal de Esperança, com uma excelente interpretação de Robin Williams num papel sério e comovente. Infelizmente este filme não foi exibido nos cinemas brasileiros, mas tem em vídeo, peguem urgentemente).
Mas o que não pode mais se alegar é que Hollywood não presta e que cineastas como Benigni são vendidos e seus filmes são umas porcarias. Se fizermos isso, vamos ter que fazer o mesmo com Abril Despedaçado. O cinema brasileiro perdeu completamente a moral para falar mal do cinema americano depois dessa.
O que é uma pena: desde Carlota Joaquina, o cinema brasileiro voltou a ter nível de Primeiro Mundo. Mas a mentalidade corporativa de quem lida com cinema nesta terrinha maldita ainda não saiu do terceiro.
Central merecia o Oscar? Merecia. A Vida é Bela não merecia? Talvez sim, talvez não, difícil dizer com isenção. Mas certamente foi uma grande bobagem aquele coro coletivo execrando o filme italiano - coro esse, é bom lembrar, no qual não faltaram as opiniões da intelectualidade e da mídia em geral - a revista Bravo publicou um desagravo naquela época.
Alegou-se de tudo, principalmente que Benigni teria se "vendido" - o que, convenhamos, é outra bobagem: afinal, o Oscar nunca foi um prêmio para os melhores filmes, mas um prêmio de mercado. E era de se esperar que, em se tratando da mão não tão invisível do
mercado, role um tráfico de influência por baixo do pano.
Mas agora o caldo entornou pra cima dos brasileiros também, como mostra a matéria de capa da revista Carta Capital que acaba de chegar às bancas (aviso: a edição online ainda não tinha sido atualizada até a hora deste post). Nela, são expostos os detalhes por trás da escolha do filme que irá concorrer à estatueta este ano nos EUA - o filme Abril Despedaçado, de Walter Salles. Para poder concorrer, tiveram que forçar uma estréia em um cinema de Salvador no dia 19 de outubro, ficando apenas uma semana em cartaz, só para constar (fazia parte do critério para competir)... e o filme, cuja escolha foi anunciada no último dia 29, simplesmente atropelou outros que não só foram assistidos de verdade pelo público como eram de qualidade indiscutível. Dois bons exemplos: Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky e Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho.
Pode-se alegar que o filme mereça porque é belo, porque tem uma grande direção, e por se tratar de uma adaptação de uma grande obra da literatura universal, o romance homônimo de Ismail Kadaré. Pode não servir como elemento de comparação, mas até aí morreu o Neves, como se dizia antigamente: A Vida é Bela é baseada no excelente livro Jakob, o Mentiroso, de Jurek Becker (que no ano seguinte teria uma adaptação muito mais fiel nos EUA, Um Sinal de Esperança, com uma excelente interpretação de Robin Williams num papel sério e comovente. Infelizmente este filme não foi exibido nos cinemas brasileiros, mas tem em vídeo, peguem urgentemente).
Mas o que não pode mais se alegar é que Hollywood não presta e que cineastas como Benigni são vendidos e seus filmes são umas porcarias. Se fizermos isso, vamos ter que fazer o mesmo com Abril Despedaçado. O cinema brasileiro perdeu completamente a moral para falar mal do cinema americano depois dessa.
O que é uma pena: desde Carlota Joaquina, o cinema brasileiro voltou a ter nível de Primeiro Mundo. Mas a mentalidade corporativa de quem lida com cinema nesta terrinha maldita ainda não saiu do terceiro.