Por que não leio mais a Veja. Recebi na semana passada um e-mail do meu amigo Rubens Figueiredo, a respeito de uma matéria publicada na edição 1746 da revista Veja, que está agora nas bancas (a manchete da capa é A Marcha da Insensatez). Rubens, autor de livros como Essa Maldita Farinha e o recente Barco a Seco, e ganhador do Prêmio Jabuti de 1998 com As Palavras Secretas é também professor de Literatura Russa em uma universidade carioca. Convidado pela revista Veja para escrever uma matéria sobre o escritor russo Mikhail Bulgákov, autor do clássico da literatura fantástica O Mestre e Margarita, Rubens explicou como o stalinismo atormentou Bulgákov, a ponto de, entre outras coisas, proibir a publicação de seus livros e a encenação de suas peças - ou, quando as peças eram encenadas, não lhe pagarem os direitos autorais devidos.
A matéria é ótima, como não poderia deixar de ser em se tratando de Rubens Figueiredo, um escritor para quem as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas em busca de, digamos, um mote engraçadinho para fechar um artigo. Pois foi o que lamentavelmente aconteceu neste caso, e não por culpa dele. Abaixo, o conteúdo do e-mail que Rubens enviou ao editor de Artes e Espetáculos de Veja, Carlos Graieb, e que reproduzo aqui com a devida autorização:
Caro Carlos Graieb
A última frase da resenha sobre o escritor russo Bulgákov, publicada no último número da Veja, não foi escrita por mim, autor da resenha. Essa frase afirma o oposto do que penso e o exato oposto do que, com toda clareza, dizia a frase cortada e substituída. Em vista do alcance e do teor de ambas as frases, trata-se de censura de opinião. A prepotência se mostra ainda maior pois se trata de um artigo que evoca, justamente, as agruras de um escritor com a censura em seu tempo e em seu país.
7 de abril de 2002
Rubens Figueiredo
A última frase tenta tornar um texto sério mais, digamos, alegrinho, e é um desrespeito ao autor. Você pode ler a matéria inteira aqui (só para assinantes do UOL), mas reproduzo o último parágrafo abaixo:
A situação de Bulgákov tornou-se absurda: os teatros lhe encomendavam peças que não encenavam. Uma delas foi ensaiada em vão durante quatro anos. Sua criação tornou-se uma atividade clandestina e seus contos insólitos – como Anotações nos Punhos – podem ser mais bem entendidos à luz dos caprichos da censura, dos labirintos da burocracia, do clima de vigilância e delação constantes, que assombraram Bulgákov até o fim da vida. Hoje, restaurantes em Moscou levam o nome de seus personagens e um ônibus turístico percorre os locais citados em O Mestre e Margarida. Não deixa de ser um final feliz.
Não há final feliz nessa história, como qualquer um que ler o artigo na íntegra poderá constatar. Infelizmente, a Veja parece não pensar assim, e pratica um antijornalismo de primeira. Não é nem de longe a primeira falha grave da revista (como a recente capa sensacionalista sobre a morte de Cássia Eller prova), mas não quero nem saber se será a última - coisa em que não acredito.
É por isso que não leio mais a Veja.
A matéria é ótima, como não poderia deixar de ser em se tratando de Rubens Figueiredo, um escritor para quem as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas em busca de, digamos, um mote engraçadinho para fechar um artigo. Pois foi o que lamentavelmente aconteceu neste caso, e não por culpa dele. Abaixo, o conteúdo do e-mail que Rubens enviou ao editor de Artes e Espetáculos de Veja, Carlos Graieb, e que reproduzo aqui com a devida autorização:
Caro Carlos Graieb
A última frase da resenha sobre o escritor russo Bulgákov, publicada no último número da Veja, não foi escrita por mim, autor da resenha. Essa frase afirma o oposto do que penso e o exato oposto do que, com toda clareza, dizia a frase cortada e substituída. Em vista do alcance e do teor de ambas as frases, trata-se de censura de opinião. A prepotência se mostra ainda maior pois se trata de um artigo que evoca, justamente, as agruras de um escritor com a censura em seu tempo e em seu país.
7 de abril de 2002
Rubens Figueiredo
A última frase tenta tornar um texto sério mais, digamos, alegrinho, e é um desrespeito ao autor. Você pode ler a matéria inteira aqui (só para assinantes do UOL), mas reproduzo o último parágrafo abaixo:
A situação de Bulgákov tornou-se absurda: os teatros lhe encomendavam peças que não encenavam. Uma delas foi ensaiada em vão durante quatro anos. Sua criação tornou-se uma atividade clandestina e seus contos insólitos – como Anotações nos Punhos – podem ser mais bem entendidos à luz dos caprichos da censura, dos labirintos da burocracia, do clima de vigilância e delação constantes, que assombraram Bulgákov até o fim da vida. Hoje, restaurantes em Moscou levam o nome de seus personagens e um ônibus turístico percorre os locais citados em O Mestre e Margarida. Não deixa de ser um final feliz.
Não há final feliz nessa história, como qualquer um que ler o artigo na íntegra poderá constatar. Infelizmente, a Veja parece não pensar assim, e pratica um antijornalismo de primeira. Não é nem de longe a primeira falha grave da revista (como a recente capa sensacionalista sobre a morte de Cássia Eller prova), mas não quero nem saber se será a última - coisa em que não acredito.
É por isso que não leio mais a Veja.